INARA – capítulo 8 – A Melhor Amiga

foto: Wallpaper access

Viver em uma casa com quarenta meninas passou a ser uma experiência divertida e diferente.

O pensionato era grande, tinha dois andares, por volta de catorze quartos, uns maiores e outros menores. Os quartos mais espaçosos acomodavam até cinco camas.
Inara ficou em um quarto com três outras meninas.

A mansão era no bairro de Perdizes em São Paulo, em frente à faculdade, onde Inara estudava.

As pensionistas vinham de diversas partes do país para estudar. Todas tinham famílias com boa condição financeira, mas a de Inara não era tão boa assim e ela não sabia muito bem sobre isso até então.

As mensalidades do pensionato, mais os custos da faculdade particular, eram muito altos e os pais de Inara, em alguns meses, tinham dificuldades para pagar. 
Com amor e sacrifício, eles iam além de suas possibilidades para dar bons estudos para as filhas. Queriam que Inara fizesse uma boa faculdade de música e resolveram enfrentar o desafio com criatividade. 

Um dia ela descobriu a realidade.

Pela janela do seu quarto, que dava para a rua, ela viu o carro de seu pai entrando pelo corredor da casa até a garagem. Observou a dona do pensionato receber seus pais ao descerem do carro.

Surpresa, correu para lá e quando chegou, viu o pai descarregando o carro.
O veículo era do tipo perua, estava com o banco de trás deitado e todo o espaço estava lotado com caixas contendo legumes, verduras e frutas.
Depois de abraçar os pais, ela perguntou:

– Por que trouxeram essas verduras e frutas para a dona Maria?
E a mãe respondeu:

– Isto tudo vem da fazenda do doutor Evaldo Foz. Ele sempre doa toda colheita aos amigos. Nós trazemos todos os meses. Com isso conseguimos um bom desconto na mensalidade do pensionato. E dona Maria gosta, pois os produtos são fresquinhos e de ótima qualidade.

Inara se calou. Rapidamente entendeu o que viu e se emocionou.
Perguntou em seguida:

– Mas por que vocês nunca me contaram sobre isso? Não sabia que tinham dificuldades para me manter estudando aqui. O pai abraçou-a dizendo:

– Vamos almoçar naquela lanchonete da esquina? Lá conversaremos com calma. 
Na lanchonete tiveram a primeira conversa franca sobre a situação financeira da família. Nesse dia, ela também ficou sabendo que eles conseguiram uma bolsa de estudos para o próximo ano da faculdade. Ao perguntar como conseguiram a bolsa, os pais disseram que foi por meio de amigos influentes. 

Ela ficou preocupada mas sentiu mais madura. Era a primeira vez que tinha uma conversa sobre assuntos financeiros com os pais.
Naquele dia, deixou de se sentir a menina mimada para se tornar adulta, conhecendo melhor a realidade da sua vida.

A Faculdade Santa Marcelina era a melhor escola superior de música da capital, uma instituição dirigida por freiras. Era luxuosa, com muitas salas para aulas e outras pequenas com apenas um piano, para a prática individual dos estudantes. Percebeu que todo aquele luxo tinha um custo alto. Passou a valorizar ainda mais cada aula e cada novo aprendizado.

Entre as colegas da escola, a que mais chamou sua atenção foi Helena. Era uma moça morena, magrinha, um pouco mais alta que Inara, muito bonita. Tornaram-se grandes amigas. Quando Helena se sentiu confiante com essa amizade, desabafou sobre os desafios que a família, apesar de muito rica, enfrentava, por causa dos distúrbios psíquicos e emocionais da mãe. Ela tinha muitos episódios de depressão.

Helena contou, que escondido da mãe, tinha acabado de ficar noiva de um rapaz.

Inara não entendendo, perguntou:

– Escondido? Para minha família, penso que isso seria um acontecimento festivo, por que escondeu?

– Minha mãe, – disse Helena –  deseja que eu me case com um rapaz rico e de família tradicional. A família de meu noivo é de classe média, ela jamais irá aceitá-lo. Quando tentei contar, ela me disse que meu futuro esposo teria de ser da escolha dela. Ao descobrir que fiquei noiva sem que ela soubesse, teve uma crise histérica e me expulsou de casa.

O pai de Helena, na tentativa de contornar a situação, fingiu que concordou com o gesto da esposa. Ela não poderia saber que ele tinha arrumado um apartamento para a filha morar, depois de expulsa de casa.
O irmão de Helena apoiou a mãe. Isso a deixou profundamente magoada. Nunca mais viu ou falou com o irmão que tanto gostava.

Inara, ao saber da história triste, sem entender muito bem como isso era possível, pois nunca presenciou discórdias sérias em sua família, sugeriu à Helena que viesse morar no mesmo pensionato que ela, aí a amiga não precisaria se sentir tão só. Helena conversou com o pai e decidiram pela mudança para o mesmo pensionato.

Eram colegas de escola e agora viveriam na mesma casa.
Tornaram-se amigas inseparáveis. Praticamente passavam vinte e quatro horas do dia juntas. A não ser nos finais de semana, quando o noivo vinha buscar Helena para passear. 

Inara concluiu que era a primeira vez que tinha alguém que podia chamar de, “a melhor amiga”.

A alegria delas, tanto na escola como no pensionato era contagiante.
Outras meninas tentavam se aproximar para participar daquela amizade gostosa. Mas, elas se bastavam e isso criava uma certa inveja entre as outras.
Eram bonitas, estavam sempre bem arrumadas, ouviam músicas no quarto e dançavam. Tocavam piano juntas nas salas reservadas da faculdade.

Helena tinha carro e elas saiam por toda cidade. Passavam pela famosa Rua Augusta, local de paquera, e às vezes iam à praia em Santos.

Faziam piadas e riam delas mesmas todo tempo. 

Uma vez, o carro de Helena estava com ruído estranho no motor.
O pai aconselhou levar o carro à uma oficina mecânica conhecida dele.
Ao entrarem na oficina, desceram do carro. Os rapazes que ali trabalhavam, pararam para olhar as meninas bonitas que chegaram. 
O dono da oficina se aproximou e perguntou:

– Algum problema com o carro?

Helena respondeu:

– Sim, ele anda meio enjoado, problemas de estômago, sabe? Ah, e também tem tido um pouco de dor de cabeça.

Todos entreolharam-se assustados e as duas caíram na gargalhada. Em seguida, todos estavam gargalhando. E deviam pensar: – quem sãos essas malucas?

E dessa maneira, com brincadeiras inesperadas e sem combinar, elas se divertiam e também aos outros que estavam à sua volta.

Formavam uma parceria imbatível. Havia ali um encontro de duas almas afins, alegres, e ao mesmo tempo, inseguras e amedrontadas. 

Inara aprendeu com Helena a viver feliz no dia-a-dia, mesmo que o coração estivesse apertado. 

Roberto, irmão de Helena, era um rapaz bonito, moreno, olhos azuis, cabelo longo e barba. Ele também tocava piano e muito bem.
Depois de vários meses separados, os irmãos resolveram se reencontrar, pois sentiam saudade um do outro. Marcaram um almoço num restaurante. Inara foi junto.

Ao retornarem para casa, Inara disse a Helena:

– Você tem razão, seu irmão é mesmo bonito. 
E rapidamente Helena respondeu:

– Meu irmão tem namorada e ele é muito exigente, nem pense em algo mais, pois ele jamais vai se interessar por você. 

Inara surpreendeu-se com a reação de Helena. Percebeu que ela estava com ciúme e rapidamente rindo, respondeu:

– Ah, minha amiga, você não imagina o quanto eu adoro um desafio. Quer apostar quanto que vou fazer seu irmão se interessar por mim?

Helena visivelmente contrariada, retrucou:

– Pois não perca seu tempo. Meu irmão nunca se interessará por você. Sabe por quê? Todas as namoradas dele são lindas, milionárias e da alta sociedade. 

Inara parecia ouvir o restante da frase que a amiga não completou:

“E você não é linda, nem rica e nem da alta sociedade.”

Inara não se ofendeu. Ela não se importava com opiniões alheias, nem da melhor amiga.
Quando queria, sabia usar seu charme e era irresistível. 
Em menos de um mês, Inara e Roberto estavam namorando.

Helena, para surpresa de Inara, imediatamente aprovou o namoro.
Agora os três estavam sempre juntos. Algumas vezes, os amigos de Roberto se juntavam a eles, principalmente aos fins de semana, depois que o noivo de Helena a levava de volta pra casa. Ela saía em seguida para encontrar Inara, o irmão e os amigos dele.
O noivo não sabia desse encontros.

Um tempo depois, com a data do casamento se aproximando, Helena decidiu que não deveria mais sair escondida do noivo. Se ele descobrisse, poderia dar problema.

Sem a participação de Helena, os encontros com Roberto ficaram sem graça e  Inara decidiu por um ponto final no namoro.

Ao comunicar sua decisão, ele não se surpreendeu e aceitou passivamente. 

Melhor assim. – pensou Inara

Estavam elas agora animadas e muito ocupadas com os preparativos do casamento. Inara seria madrinha e ficaria no altar junto com o pai de Helena, ja que a mãe não estaria presente.

Helena nunca mais viu ou falou com a mãe, desde que saiu de casa.
Sabia que ela ainda não aceitava esse noivado, muito menos o matrimônio. 
Mesmo assim, Helena enviou o convite formal à mãe. Soube que ela ao receber, disse jamais pisaria na igreja. Helena ainda tinha esperança de que a mãe mudasse de ideia.

O dia do casamento chegou.

Inara usava um vestido longo amarelo em tecido de crepe de seda, com detalhes em fita de gorgorão marrom e dourado, marcando o decote e a cintura. Para compor o traje, um chapéu marrom de feltro, com uma fita mais fina de gorgorão marrom e dourado em volta da aba.

Estava ansiosa para ver a entrada da noiva, sua melhor amiga.

Ao ouvir os primeiros acordes da marcha nupcial, todos se voltaram para a porta da igreja.

Helena entrava de braços dados com o pai. Estava linda com aquela aura iluminada que toda noiva carrega. Todos acompanhavam a entrada deles até o altar.

Mas, de repente, Inara percebeu que todos desviaram o olhar da noiva para a porta de entrada novamente.

Por ela entrava um casal, uma mulher linda, com ar jovial, num vestido prata e uma tiara de strass reluzente no alto da cabeça, emoldurando os longos cabelos negros. Ela vinha de braços dados com um homem mais jovem. Ele vestia um terno branco com gravata de cetim lilás. Formavam um casal lindíssimo. Chamaram mais atenção do que os noivos.
Conforme foram se aproximando, Inara notou quem eram: a mãe e o irmão de Helena.
Ao chegarem perto do altar, entraram na segunda fileira de bancos, onde os convidados tiveram de se afastar para dar lugar ao casal.

Entre os olhares atônitos de Helena, do noivo, do pai e dos convidados, o padre deu início à cerimônia, mas ninguém prestava atenção.
Os olhares estavam voltados para a mãe e o irmão.

Todos que sabiam da situação familiar e da instabilidade emocional da mãe, ficaram em estado de alerta, esperando que algo mais pudesse acontecer.

A cerimônia começou e foi mais emocionante que se esperava.
Ao final, a mãe e o irmão deixaram a igreja sem cumprimentar ou se despedir de ninguém.

Inara se aproximou dos noivos para cumprimentá-los. Helena com olhar triste, cochichou ao seu ouvido:

– Ela veio para tirar o meu brilho e conseguiu, pois estava mais linda que eu. Nunca esquecerei da imagem dela entrando nesta igreja como se fosse a noiva. Ela roubou a cena mais desejada de uma mulher.

Inara não tinhas palavras. Somente sentiu a dor da melhor amiga. 

À noite ao se deitar, recordando as cenas marcantes do dia, imaginou o seu próprio casamento.

Como seria?

Próxima semana:
Capítulo 9 
Coincidência Cruel

História inspirada em fatos reais, embora alguns eventos, personagens, nomes e locais, tenham sido criados para a composição literária. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. YG

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *