INARA – capítulo 18 – Como viver em São Paulo

 

Em São Paulo, era a vez do carioca se adaptar à nova cidade e aos costumes do paulistano.
Ele queria uma vida mais regrada no âmbito profissional. As responsabilidades tornaram-se maiores, pois, agora, era um chefe de família.
Começava uma nova fase e a esposa estava ansiosa em ver como seria essa adaptação. A dela, no Rio de Janeiro, foi fácil. – Também, seria difícil alguém não gostar de viver naquela linda cidade, com boa qualidade de vida. Mas para um carioca, em São Paulo, não sei não. O clima é mais frio; os dias são mais cinzentos; a poluição sonora e visual, intensa; o trânsito é congestionado; e ainda, há a falta da praia, do cheiro do mar e da convivência com os amigos…Enfim, como vai ser isso tudo para ele? Só mesmo o tempo pra me dizer. Ao menos, percebo que ele está disposto a enfrentar os novos desafios. – eram pensamentos constantes da esposa.

Por sorte, o sogro e o genro se davam muito bem. Tornaram-se bons companheiros, conversavam sobre diversos assuntos. Num desses bate-papos, o sogro perguntou sobre o trabalho e Renato contou o que tinha observado:
– No começo achei os colegas paulistas muito sisudos. Eles quase não conversavam comigo ou entre eles. Parecem robozinhos: sempre pontuais para bater o ponto. Saíam para almoçar e retornavam exatamente uma hora depois. Quando dava seis horas da tarde, todos se levantavam e, quase ao mesmo tempo, iam embora. Achei que me evitavam por receio de que eu fosse um fiscal do presidente da empresa. Sabiam que eu havia sido indicado por ele para a vaga. Depois, entenderam que seria eu ou outro no meu lugar, pois o cargo não tinha sido criado só para me dar emprego. Aos poucos, fui quebrando o gelo com meu jeitinho brincalhão. Hoje, sinto o ambiente mais leve e eles dizem o mesmo.
Ao menos, no nosso andar, as pessoas parecem trabalhar mais animadas e descontraídas.
O sogro ficou satisfeito ao ouvir que o genro estava se adaptando bem. Este já havia perguntado ao amigo, presidente da companhia, e ele havia dito que estavam satisfeitos com o desempenho profissional do carioca.

O apartamento em que moravam, ficava localizado no Brooklyn. Era novo, amplo, três dormitórios, bastante confortável. O bairro escolhido era para ficarem mais próximos do trabalho de Inara. Depois de tudo organizado e decorado, chamavam os amigos para reuniões aos finais de semana.
Ela organizava os aperitivos e Renato preparava algo para o jantar. Cozinhava bem e gostava de fazer isso para os convidados. Outras vezes, visitavam os amigos para essas reuniões sociais. Aos domingos, preparavam almoço para os familiares e em outros passavam o dia na casa dos pais dela. O pai preparava um churrasco e a mãe, os acompanhamentos. Alternavam os almoços caseiros com restaurantes e pizzarias.

Helena, a amiga inseparável dos tempos de faculdade, e o marido, tornaram-se companhias constantes de Inara e Renato.
Há tempo ela havia perdoado a amiga pela traição do passado. Com os maridos se dando bem, foi conveniente para ela colocar de vez uma pedra sobre os ressentimentos. Era necessário cultivar novas amizades em São Paulo, principalmente entre casais.

A vida estava bem agitada. Os dias foram passando e a nova rotina se instalando. Tudo parecia bem, porém, em alguns momentos, Inara percebia o marido tristonho e cabisbaixo.
Preocupada, ela pediu para conversarem e assim saber o que o preocupava.
Entristecido, Renato desabafou:
– Sinto muita falta da praia. Talvez seja difícil para você entender, mas é incrível como esta cidade enorme me traz a sensação de claustrofobia. Muito tijolo, concreto e pouco verde. Sinto necessidade quase que vital de ver o mar. Ao menos passar em frente e sentir o cheiro. Não necessariamente ir à praia sempre como fazia no Rio, porém, saber que ela está logo ali e que posso dar um mergulho a qualquer momento é mágico.  O mar tem uma fonte de energia com a qual me acostumei e não imaginei que sentiria tanta falta. Tem dias que fica quase insuportável a carência do visual. Aí me bate uma saudade danada do Rio de Janeiro.

Inara, preocupada com aquele desabafo, sugeriu passarem um final de semana no Guarujá. Renato, com o semblante iluminado, sorriu e achou que seria uma boa ideia.

No dia seguinte, ela ligou para Helena. A amiga e o marido tinham um apartamento na praia de Pitangueiras. Contou que iria passar o final de semana no Guarujá, pois o marido estava saudoso de respirar ares marinhos e de pegar uma praia.
A amiga ficou feliz em saber, pois lá estariam também. Em seguida, fez o convite para que o casal ficasse hospedado no apartamento deles. Insistiu em recebê-los. Inara disse que conversaria com Renato e à noite daria a resposta.
Ele tinha imaginado ficar hospedado em um hotel, mas por insistência da esposa, concordou.

Na manhã do sábado seguinte, bem cedo, pegaram a estrada. O dia estava lindo, ensolarado e sem trânsito. A curta viagem foi prazerosa.
Ao chegarem à cidade, a energia do marido mudou por completo. Ele olhava sorridente para os lados, observando tudo com atenção. Dizia ter mudado bastante, desde o tempo em que visitava o Guarujá com os pais, quando era criança. Ao chegarem à praia de Pitangueiras, avistando o mar, seus olhos ficaram marejados de lágrimas. No meio da avenida da praia, parou o carro num lugar onde não era permitido estacionar, pois atrapalharia o trânsito. Olhou para a esposa e disse:
– Espere aqui um minutinho, Fofa.
Sem desligar o motor, abriu a porta do carro, tirou os sapatos, dobrou as barras das calças até os joelhos e caminhou até a praia. Parecia estar hipnotizado. Ela, surpresa, observava aquela cena. Ao entrar na água até a altura das canelas, Renato esticou os braços para o alto e soltou um grito de felicidade. Parecia um Tarzan na selva:

– Uhuuu! Eu não posso viver sem isto!
Inara, se emocionou. Entendeu o quanto aquilo era importante para o marido. Era bonito vê-lo tão feliz.  De repente, como que despertado de um transe, pelos sons das buzinas dos carros parados atrás do dele, Renato voltou rapidamente, pedindo desculpas a todos. Entrou no carro e falou:

– Me sinto outra pessoa. Parece que saí de uma prisão. Você sente o ar mais leve? O cheiro do mar me faz bem. Como vocês paulistas conseguem viver sem isto? Só quem nasceu e foi criado na praia sabe dessa importância. Vamos logo pra casa dos seus amigos. Quero botar a sunga e voltar rapidinho. Preciso de um mergulho para tirar toda a zica acumulada.

Foram para o apartamento dos amigos, que ficava logo ali, a uma quadra da praia. Depois dos cumprimentos e troca de roupas, os quatro saíram para a praia onde passaram o restante do dia.
À noite saíram para jantar. O restaurante escolhido foi um de frutos do mar, o melhor da cidade. Chamava-se Rufinos. Renato adorou a comida e o ambiente. Estava cheio de pessoas bonitas e animadas. Inara viu novamente o carioca como o tinha conhecido. Feliz, brincalhão, contando piadas.

No dia seguinte, bem cedo, saíram novamente para a praia. Algumas horas depois, o tempo mudou e nuvens pesadas cobriram os céus ficando todo nublado. Parecia que logo ia chover. Helena e o marido voltaram para a casa. Renato quis ficar mais um pouco.
– Se apenas chuviscar, ficamos debaixo do guarda-sol esperando passar. À noite já temos de voltar para São Paulo. Quero dar mais um mergulho. – disse Renato.
O vento começou a soprar mais forte e uma dessas rajadas trouxe de longe uma folha de jornal. Ela ia e vinha, dançando ao sabor da ventania. De repente, o jornal vindo na direção do casal, bateu fortemente contra o peito de Renato. Tomado de susto e recuperando-se rapidamente, ele disse:

– Vamos ver o que esse jornal quem vem vindo lá de longe, parecendo ter endereço certo, tem a me dizer:

Ao abrir a folha, viu a foto grande de um edifício com vista para o mar. Era a propaganda de um prédio residencial localizado logo ali, na praia das Astúrias. Renato leu tudo atentamente. De repente, pingos grossos de chuva começaram a cair e a chuva ficou mais forte.

– Vamos embora, Baixinha, quero conhecer este empreendimento. – disse Renato.

Saíram dali correndo. Renato carregava as cadeiras, toalhas e o jornal dobrado debaixo do braço. Ao atravessarem a rua, Inara quis parar debaixo da marquise de um prédio para se proteger da chuva. Mas ele não quis.

– Bora, bora, bora, Fofa. Põe uma toalha na cabeça e vamos dar uma corridinha. Lá no prédio, nós nos enxugamos antes de entrarmos no carro. Vamos direto para este endereço – disse ele apontando para o jornal.

– Mas não vamos subir para  tomar um banho e avisar Helena?

– Não. Vamos direto, logo mais eles fecham o stand de vendas.
Correram debaixo de chuva, colocaram as coisas no porta-malas e saíram para Astúrias, a praia ao lado.

O edifício recém-construído ficava a uma quadra da praia. O escritório de vendas, no saguão do prédio. Estacionaram em frente e, debaixo da chuva, entraram. Lá, serviram-se de cafezinhos e sentaram-se para a apresentação do projeto por um corretor. Analisaram tudo cuidadosamente. As plantas, valores e planos de pagamentos foram vistos. Depois de um longo questionário feito por Renato, escolheram uma unidade de um dormitório e subiram para visitá-la. O carioca queria conferir a vista que diziam dar para a praia.

O apartamento era amplo, com um corredor comprido que saía da sala e levava aos outros cômodos. Todos muito amplos. Apesar de não ser andar alto, da varanda, a vista para o mar era totalmente desobstruída. Ficaram ali observando, apesar da chuva forte que caía.

Alguns minutos depois, o marido disse baixinho para que o vendedor, que estava um pouco afastado, não ouvisse:

– Fofa, este apartamento cabe no nosso bolso. Apesar de ter um dormitório, ele é bem grande. O quarto do casal fica no final do corredor, bem distante da sala. Podemos colocar um sofá-cama na sala para receber visitas. No quarto do casal, acomodamos um colchão extra, assim dará para receber seus pais e sua irmã. Também quero que meu pai e meu irmão possam vir com mais frequência nos visitar. O que você acha?

Inara, surpresa com a rapidez em que o marido estava fazendo os planos, falou:
– Eu gosto muito Renato mas, você parece já querer fechar negócio. Não quer pesquisar um pouco mais? Ver outros empreendimentos pela cidade? Quem sabe numa revenda conseguimos preço melhor.

– Só se você não gostou deste. – disse Renato olhando para ela com dúvida.

– Não, meu querido, eu gostei! Acho este perfeito – respondeu a esposa.

Pois é, o vendedor comparou este com outros empreendimentos novos em Pitangueiras e Enseada. Eles são bem  mais caros. Eu quero ter um apartamento novo, onde ninguém viveu antes. Será o nosso primeiro imóvel, portanto, quero que seja novinho. Imagina isto tudo bem decorado. Vai ficar um charme e aqui poderemos vir todos os finais de semana, feriados e férias escolares. – completou o marido olhando embevecido para a praia, sonhando. E continuou:

– A sensação que tenho, neste instante, é de estar em casa. Preciso disto. – falava sem desviar os olhos do mar. – Se puder vir para cá sempre que quisermos, eu aguento viver em São Paulo. Caso contrário, prefiro voltar pro Rio. Já fiz as contas. Com o meu salário e o seu, podemos tranquilamente comprar este apartamento.

Naquele instante Inara só pensava na felicidade do marido.

– Então pronto. Fechado! Aqui será nosso segundo lar! – disse a esposa confiante.

O corretor, sem ouvir o que falavam, aproximou-se e comentou:

– Vocês vão gostar mais dessa vista quando não estiver chovendo. Com o dia ensolarado é muito mais bonita. Querem voltar amanhã?

– Meu irmão, a chuva me dá sorte. No dia do meu casamento, o mais feliz da minha vida, chovia pra cacete. Vamos descer para negociar o preço deste apartamento. Se vocês nos derem um bom desconto, assinamos o contrato ainda hoje.

Saíram do escritório uma hora depois, com a cópia do contrato assinado. Ao chegarem à casa dos amigos, Helena, assustada perguntou:

– Onde estavam com essa chuva?

– Fomos ali comprar um apartamento. Desculpa a demora! Tem uma cervejinha aí? Vamos fazer um brinde.

– Vocês foram ali comprar um apartamento?! E compraram? Vocês são doidos! – disse Helena, assustada.

– Doido por uma praia. Não posso viver sem ela. Não tínhamos muito o que pensar. Em breve, estaremos no Guarujá todos os finais de semana- respondeu Renato, sentando para mostrar ao amigo os catálogos do imóvel adquirido, enquanto o marido de Helena, surpreso, trazia as cervejas.

O apartamento foi todo decorado com móveis de vime, quadros, tapetes, plantas e utensílios domésticos. Tudo comprado, num outro final de semana,  ali mesmo no Guarujá. A casa de férias do casal ficou charmosa e aconchegante. A inauguração foi um momento marcante para eles.

Dali em diante, o Guarujá passou a ser um refúgio constante. Para lá, viajaram durante um ano inteiro, sem falhar um final de semana.

Um dia, sentados na praia pertinho da água, Inara e Renato observavam famílias com algumas crianças brincando de fazer castelos na areia. O casal entreolhou-se e, sem dizer uma palavra, parecendo comunicar-se por telepatia e, após um breve silêncio, Renato perguntou:

– Você está pensando a mesma coisa que eu? –

– Acho que sim! – respondeu Inara sorrindo.

– Então vamos encomendar? Acho que não temos mais o que esperar. A partir do mês que vem você para de tomar as pílulas e faremos o nosso primeiro filho. – concluiu o marido entusiasmado.

Os planos do casal eram sempre postos em prática rapidamente.
Com a importante decisão tomada, tendo o brilho do sol como testemunha, correram de mãos dadas, mergulhando nas águas mornas do mar de Astúrias que, de tão calmas, pareciam uma piscina.
Dentro d’água, ficaram abraçados por longo tempo, traçando planos para a chegada do futuro membro da família. Mas desta vez, teriam de ter paciência e aguardar os nove meses depois de concebido.

– Você prefere menino ou menina? perguntava Inara.

– Eu quero que venha com saúde! – respondeu Renato mergulhando novamente.

No mês seguinte, da varanda do apartamento, o casal observava a chuva torrencial que caía lá fora.

– Pena que hoje não vai dar praia. – comentou Inara.

– Pois eu acho esta chuva providencial! É o dia perfeito para encomendarmos nosso bebê! – finalizou Renato, carregando a esposa no colo para dentro de casa.

INARA: fim da primeira parte.

foto: Peach Photo Art

História inspirada em fatos reais, embora alguns eventos, personagens, nomes e locais tenham sido criados para a composição literária. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. YG

 

2 comments on “INARA – capítulo 18 – Como viver em São Paulo”

  1. Regina Brandileone Brown disse:

    Muito gostoso acompanhar os episódios de seu livro. Acho que transpor para o papel os fatos marcantes de uma vida nos fazem reviver tanto os momentos felizes quanto aqueles que nos trouxeram preocupações. Imagino o quanto esses textos fizeram bem para você. Gostei demais!

    1. Yara disse:

      Obrigada por me acompanhar até aqui Regina. Sim, é emocionante, divertido e terapêutico escrevemos sobre fatos de nossa vida. Beijo grande.

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