INARA – capítulo 13 – O Desafio da Motocicleta
Inara, Com tanto trabalho de planejamento de aulas e desenvolvimento de temas para as festas da escola, não sentia vontade, nem disposição para sair de casa afim de se distrair, nem mesmo com o noivo aos finais de semana. Estava sempre cansada.
Quando Saulo a visitava, ela solicitava sua ajuda nos trabalhos manuais, ou então sugeria que ele jogasse cartas com o pai e ela iria dormir mais cedo.
Com o tempo, o noivo na tentativa de motivá-la a passeios diferentes, comprou uma motocicleta. Convidou-a para saírem e encontrarem com amigos, que também tinham moto. Inara percebendo seu esforço em tirá-la de casa, concordou, meio a contragosto.
Na garupa da moto, com o vento batendo no rosto, ela teve uma boa sensação de liberdade, frescor e aventura. Mas, de repente, lembrou-se de que Saulo era um péssimo motorista. Extremamente distraído, vivia se envolvendo em pequenos acidentes. – Imagino agora de moto. Seremos nós dois os para-choques. –
Apesar da sensação boa, ela decidiu que seria a primeira e última vez, que andaria na garupa de uma moto.
Ao voltarem para casa, ela disse:
– Sua moto é linda e potente. Mais bonita que a dos seus amigos. Gostei do passeio, mas não quero mais andar na garupa.
– Mas o que houve, Inara? – Perguntou Saulo espantado.
– Acho que eu adoraria andar numa moto sozinha. Eu mesma dirigindo. – disse ela.
O noivo, espantado com o que ouviu, respondeu:
– Mas moto não é coisa pra mulher. Não viu a quantidade de amigos com suas namoradas nas garupas? Não percebeu como eles se divertem? Por que você não pode fazer o mesmo?
– E onde está escrito que moto não é coisa de mulher? É alguma lei? – retrucou Inara irritada.
– Claro que não. É porque as motos são pesadas e as mulheres além de não terem força para mantê-las em pé, são medrosas. E você além disso tudo, é baixinha, fica difícil de se equilibrar numa moto. – disse Saulo, olhando para o chão e falando um pouco baixo, com receio da reação da noiva.
– Pois eu não sou medrosa. Penso que uma moto menor que a sua, eu dominaria e também me divertiria muito mais, se eu mesma estivesse dirigindo.
Inara inventava todas as desculpas para evitar dizer que tinha receio de sair com ele dirigindo.
– E você se sentiria segura dirigindo? Você não sabe… Duvido que você aprenda. – disse ele com sorriso, agora irônico e desafiador.
Ah, pra quê? Neste instante ele mexeu com os brios dela. Era um desafio, e deles, ela gostava.
– Pois eu aprendo. E rápido, pode acreditar. – disse Inara virando as costas e entrando em casa.
– Vamos ver. Mas para andar por aí tem de ter carteira de motociclista. – disse Saulo seguindo-a para dentro de casa.
– Pois eu tiro. Você quer um café? – perguntou Inara ao chegarem na cozinha, com o intuito de encerrar o assunto.
– Ah, o mais importante, – continuou ele: – tem de ser uma moto menor, a minha é muito alta pra você.
Gargalhando, ela concluiu:
– É mesmo e eu não tenho a menor intenção de comprar uma. Esquece essa conversa de moto. – pronto agora acho que o convenci.
A conversa encerrou-se por ali.
Inara continuava muito cansada, assoberbada, ocupando-se apenas com a escola. Agora, ela lecionava nos dois períodos, de manhã e à tarde. Eram dez a doze aulas por dia. Não tinha mais tempo para nada a não ser trabalhar. Em alguns finais de semana, ela pedia ao noivo que não viesse visitá-la. Só queria descansar e assistir a filmes na TV com os pais.
Um dia, Saulo chegou para buscá-la. Haviam combinado de sair para jantar e celebrar o aniversário dela.
Ao descer à sala, para recebê-lo, Inara viu que o noivo estava parado em pé à frente da porta que estava aberta.
– O que faz aí Saulo, por que não entra?
Ele disse:
– Venha, o seu presente de aniversário está aqui fora.
Surpresa, Inara foi até ele e lá fora, no meio da garagem, viu uma linda motocicleta vermelha, estilo Cross, própria para andar em estradas de terra. Era da marca Yamaha, com 250 cilindradas. A moto, apesar de não ser tão potente quanto a de Saulo, e ter o estilo esportivo, vinha com os paralamas altos, distantes da roda. Portanto tinha uma aparência de moto robusta, grande, visual bonito, que realmente chamava a atenção. Em torno da moto tinha um grande laço de fita branco.
Ela ficou muda. Não sabia o que dizer. Saulo, entusiasmado disse:
– É sua! A moto é um pouco alta pra você, mas com uma bota de salto alto, você vai conseguir. Venha, suba, vou te ensinar a pilotar.
Ela pensou: – ele é maluco. E agora? Nunca tive o desejo de ter uma moto. O que vou dizer a ele? Sabe o quê? Não vou dizer nada. Vou levar em frente esse desafio, pois eu disse que queria e seria capaz. Ai, ai, ai, o que eu fui inventar…por que não falei a verdade, que tinha receio de andar na garupa?
E ele continuou:
– Enquanto estiver aprendendo, andaremos só por aqui, por perto de sua casa. Depois você vai ter de tirar carteira de motociclista. Mas isso veremos mais pra frente. Acho que quando estiver segura, você vai se animar a sair comigo e nosso grupo de amigos. Não é possível alguém trabalhar tanto como você e não se distrair com algo nos finais de semana. Acho que essa moto vai te animar.
Inara sentiu que pela primeira vez o noivo tinha tomado uma atitude sem falar com ela e era para agradá-la. Ficou lisonjeada e para sua surpresa, começou a gostar da ideia.
Subiu para o quarto, calçou uma bota e subiu na moto com Saulo na garupa.
Naquela mesma noite aprendeu tudo. Saiu dirigindo pra cima e pra baixo nos arredores de casa. Agora teria uma motivação diferente.
Dali pra frente, não sentiu mais cansaço ao chegar do trabalho.
Sem contar a ninguém, matriculou-se nas aulas da motoescola e semanas depois passou no primeiro exame. À noite, quando Saulo chegou, deu a notícia a ele e aos pais. Eles se entreolharam, não acreditando no que ouviam. Foi mais rápido que todos esperavam.
– Bora lá, Saulo. Pegue sua moto que eu pego a minha. Vamos sair pelas ruas de São Paulo. – disse Inara.
Notou os olhares preocupados dos pais, mas saíram assim mesmo, animados, rua acima.
Todos os finais de semana se encontravam com os motoqueiros amigos e as amigas ou namoradas nas garupas. Ela era a única mulher dirigindo sua própria moto. Saulo estava sempre ao seu lado.
Gostava de estar no controle e da sensação de liberdade. Melhor ainda, gostava do vento que batia no rosto e levantava os cabelos longos.
Uma vez fizeram uma viagem ao Guarujá. O pai preocupado por ela dirigir na estrada, emprestou uma perua Kombi de um amigo. Tirou os bancos de trás e seguiu a caravana de motos pela Rodovia dos Imigrantes. Na volta, uma chuva intensa caiu. Pararam no acostamento, colocaram a moto de Inara dentro da Kombi e seguiram viagem de volta para a casa. Inara estava feliz e toda encharcada. Foi uma aventura deliciosa.
Por muito tempo curtiu a nova distração. Mas Inara apreciava muito mais os passeios, quando saía sozinha, ninguém por perto, nem Saulo.
Apreciava ver a reação das pessoas nas ruas, olhando admirados para ela. Cabelos longos soltos por debaixo do capacete, casaco e botas de couro na mesma cor caramelo e calça jeans por dentro das botas. Sentia-se bonita e sensual. Sabia que chamava atenção também por isso.
Já não tinha mais cansaço após as aulas. Ao final do dia chegava do trabalho, trocava a roupa e saía sozinha pelas ruas da cidade.
Aqueles passeios aliviavam qualquer estresse que estivesse sentindo. Naqueles momentos, em nada pensava. Apenas curtia o vento.
Num desses passeios solitários, ela resolveu parar numa rua bonita, bem arborizada e de pouco movimento. A rua silenciosa ficava no bairro do Pacaembu, na parte mais alta, de onde podia se ver toda a cidade. Parou a moto debaixo de uma árvore, encostou-se no banco e fitou o horizonte. Aquela paisagem serena, prendeu sua atenção. Foi um convite à meditação. Ali ela perdeu a noção do tempo, divagando em seus pensamentos:
– Venci este desafio. Faço algo que poucas mulheres fazem. Dirijo uma moto e curto fazer isso sozinha. Mas sei que meus pais ficam preocupados por eu sair dirigindo por aí. Não sinto medo, mas concordo com eles que é perigoso.
Mas, por que realmente eu faço isso? Sinto que estou sempre em busca de algo que não encontro. Na verdade, acho que estou fugindo da companhia de Saulo. –
Sentiu um arrepio ao chegar àquela conclusão. Passados mais alguns minutos naquela reflexão, determinou: Não é certo continuar assim. Chega!
Parecendo acordar de um transe, levantou-se, jogou a perna direita por cima do banco da moto alcançando o pedal de partida do motor. Deu um solavanco e o motor roncou. Com a perna esquerda ainda no chão, levou a mão direita ao acelerador e com certa raiva, forçou-o para baixo duas vezes, produzindo ruído fortíssimo. Era o seu próprio grito de liberdade, de despedida, daquela fuga sem sentido.
Decidida, dirigiu de volta para casa enquanto reorganizava os pensamentos: – Chega de fugir. Eu preciso agora de um tempo pra descansar e repensar minha vida. Ainda bem que Saulo nunca falou em casamento. Nem sei o porquê dessa ideia de ficar noiva. Gosto dele, mas não o suficiente para passar o resto da vida juntos. Ui, não! Ah…como gostaria de conhecer alguém que me encantasse, que me estimulasse o intelecto, que dominasse meus pensamentos, que me colocasse…hum, umas rédeas. – Riu alto. Pois era sempre ela que decidia tudo, até os lugares que iam a jantar ou passear. – Quer saber? Vou aproveitar o feriado de finados que se aproxima e aceitar o convite de Marisa e viajarmos para o Rio de Janeiro. Preciso rever minha história. Quero sentir vontade de voltar pra casa, não apenas para descansar, ou andar de moto, mas para viver com alegria e entusiasmo.
Marisa era professora de Artes no mesmo colégio que Inara. As duas trabalharam juntas nas últimas festividades e tornaram-se boas amigas. Estavam cansadas e precisavam de dias mais calmos. À beira do mar, na cidade maravilhosa, seria perfeito.
Chegando em casa, ligou para Saulo e disse:
– Saulo, quero que você venha buscar a moto no final de semana. Acho que você deve vendê-la ou usá-la. Ela é sua. Não quero mais andar por aí. Meus pais ficam muito preocupados. Ah, e quando vier, precisamos conversar. Eu tomei uma decisão que diz respeito a nós dois.
E ele:
– Enjoou da moto? Acho que agora quer marcar a data do casamento, é isso?
– Não Saulo, não é sobre casamento e sim, eu enjoei da moto. No final de semana eu explico tudo.
O noivo não era um homem de reações. Ele só concordava com as coisas da vida. Nunca exprimia vontade de nada, esperando as decisões de Inara, para tudo.
No final de semana, quando Saulo chegou, ela explicou a decisão que tinha tomado, dizendo estar esgotada e com os pensamentos confusos. Precisaria de um tempo e a viagem com a amiga ajudaria a clarear as ideias.
Ele pensou um pouco e calmamente respondeu:
– Como quiser Inara. Vou aproveitar para viajar para a praia com meus amigos. Amanhã venho de táxi e levo a moto embora.
Inara sentiu-se aliviada. – Há muito tempo nosso relacionamento não tem tido muita graça. Saulo deve sentir o mesmo. Só que ele nunca teria coragem de pedir um tempo para refletir. Típico dele.
Em seguida, ligou para a amiga Marisa e contou que tinha pedido um tempo ao noivo.
– Até que enfim, nunca vi um namoro mais sem sal. – disse a amiga rindo.
– Agora estou pronta para a nossa aventura no Rio de Janeiro, vamos aproveitar. Coisa que não fazemos há muito tempo. Assim como eu, você também tem trabalhado demais.
Entusiasmada continuou :
– Menina, nem sei o que colocar na mala. Desta vez vou levar só biquinis e camisolas. Vamos à praia e voltar à casa pra dormir o resto do dia. O que você acha?
– Inara, leva pelo menos uma ou duas roupas mais arrumadinhas para sairmos jantar em alguma restaurante legal. Vai que a gente conhece alguém hein? Nunca se sabe…Aproveita que agora você está livre e desimpedida. – disse Marisa animada.
– Minha amiga, tudo o que quero desta vez, é descansar. Conhecer alguém agora, só iria confundir ainda mais meus pensamentos. Não foi por isso que rompi o noivado. Na verdade, quero ver se sinto falta de Saulo. No fundo ele é boa pessoa. E sabe? Vai ver os noivados e casamentos são assim mesmo, sem sal.
– Sem sal não quero não. Talvez por isso não me casei até hoje. – disse Marisa. Ela era bem mais velha que Inara, já se considerava solteirona. Mas, não se incomodava com isso. Era uma pessoa bem resolvida.
Vencer desafios sempre foi muito atraente para Inara, mas eram cansativos.
Na parte profissional, o primeiro desafio vencido, foi tornar-se a melhor professora da música da escola. Conseguiu!
O segundo, era ser motorista de motocicleta. Conseguiu também. Tornou-se uma das poucas motoqueiras na cidade.
Mas ela sentia que faltava algo e não sabia o que era. Desta vez queria ter tempo para pensar nela mesma e talvez sair em busca de algo que a deixasse entusiasmada ao acordar diariamente. – Mas do que ou de quem sinto falta? – eram perguntas que atormentavam seus pensamentos.
No dia da viagem, ela e Marisa encontraram-se no aeroporto de Congonhas. Alegres, subiram no avião e foram conversando animadamente durante a viagem.
Ao aproximarem-se do aeroporto Santos Dumont, pela janela, Inara deliciava-se com a linda paisagem da cidade lá embaixo. A vista do Pão de Açúcar era indescritível, trazia uma gostosa sensação de paz e alegria, que ela não sentia há tempos. – Acho que é isso que busco, será? Alegria e paz ao mesmo tempo. Tenho vontade de me sentir viva, mas a maior parte do tempo me sinto anestesiada. Bem, que seja o que Deus quiser, vamos lá.
Feliz, apertou a mão da amiga e disse:
– Marisa, obrigada por ter insistido para que eu viesse com você. Tenho certeza que esta viagem vai me mostrar um caminho. O Rio de Janeiro, vai nos fazer bem! E olhando novamente pela janela, entoou baixinho a conhecida canção de Caetano Veloso:
“Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta
Deste céu, desse mar,
Dessa gente feliz”…
“Esta viagem ao Rio de Janeiro, mudaria totalmente o rumo da história da vida de Inara.”
…
Próxima semana
Capítulo 13
O Carioca
…
História inspirada em fatos reais, embora alguns eventos, personagens, nomes e locais, tenham sido criados para a composição literária. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. YG
Inara sempre na busca de algo !!!!espero qye logo encontre👍👍
Eu tambem espero 😜
Que bom q seu filho insistiu sobre esse capítulo, foi bem legal!!!
Obrigada Mazé. beijos