INARA – capítulo 12 – Festa para a Rainha Silvia da Suécia

Chegara o primeiro dia de trabalho. Agora, Inara era a professora de uma das escolas mais famosas de São Paulo, o Colégio Porto Seguro.

Sabia-se que o colégio era uma instituição séria, muito rigorosa com os alunos e principalmente com o corpo docente. Inara precisaria esmerar-se e dar o seu melhor para não ser despedida ao final do ano. – Mas, qual será o meu melhor? Tenho pouca experiência. Preciso aprender rápido pensava diariamente, a caminho da escola.

Seus alunos do colegial eram praticamente da mesma idade que ela. Ao passar pelos corredores da escola, era confundida com eles.

Os diretores dos outros níveis e alguns professores mais antigos, sabiam que ela tinha sido indicada pelo diretor geral. Por isso, eles a observavam por meio de uma “lupa”, examinando minuciosamente todos os seus passos. Sentindo o peso de tanta responsabilidade, decidiu desvencilhar-se do medo, da insegurança e determinou: – Vou surpreender a todos. Serei a melhor professora de música que esta instituição, quase centenária, já viu. Focarei nisso dia e noite.

O primeiro desafio foi conquistar o respeito dos alunos mais velhos, que eram do colegial.

Por ser muito nova, eles não a viam como professora e por isso não a respeitavam. Muitas vezes, ao entrar na sala de aula, ela encontrava bilhetinhos anônimos sobre a mesa. Num estava escrito: ”Você é linda!” No outro: ”Sonho com você todas as noites.” Ou ainda: ”Você não me sai da cabeça”. Ela os lia, guardava na bolsa, levantava a cabeça e cumprimentava os alunos.
Eles não respondiam a seu cumprimento e continuavam conversando, andando pela sala, como se ainda esperassem pelo professor. Alterava o tom de voz, às vezes precisava gritar para que a ouvissem. Não gostava de começar as aulas assim, no grito.

Um dia teve uma ideia. Entrou na sala de aula e não disse nada. Posicionou-se no centro, em frente ao quadro negro e começou a falar sem produzir sons. Apenas mexia a boca. Alguns alunos sentados à frente, percebiam e a olhavam estranhamente. Outros, atrás, faziam esforço para ouvir e iam se sentando. O silêncio ia incomodando os demais, que baixavam o tom de voz e se calavam.
Quando podia-se ouvir os passarinhos lá fora cantando, ela continuava mexendo a boca e agora com som, falava bem baixinho. Assim conseguia manter a curiosidade dos alunos e a ordem na sala, para dar início à aula.

Havia uma sala de música com piano e instrumentos de percussão, para onde ela se dirigia com a turma. Eles gostavam de ir para lá, por isso caminhavam em fila e em silêncio, pois se conversassem, ela voltava para a classe.

Inara percebeu, que apesar de ser uma escola famosa, não havia uma coordenação para a disciplina de Música. Cada professor usava o método que queria. Uns ensinavam músicas folclóricas, outros ensinavam teoria musical. Ela tentava diversos métodos, mas as aulas eram monótonas. Sentia que os alunos não gostavam e com isso era difícil prender a atenção deles.

Passou então a usar músicas para comandos, com o intuito de organizar a turma barulhenta. Para sua surpresa, eles facilmente respondiam a esses comandos.
Ao tocar uma música conhecida por eles, ao piano, exemplo, a “Pantera Cor de Rosa”, todos tinham de levantar imediatamente.
Ao tocar, “Golpe de Mestre”, todos deveriam se sentar. Outras músicas tinham outros comandos, como estalar os dedos, olhar para um lado, ou outro, e assim por diante. Eles adoravam. Com isso mantinha todos os alunos do Jardim de Infância ao Colegial, sob o seu controle.

Assim, tudo isso permitiu que ela mais tarde, controlasse quase dois mil alunos ao mesmo tempo, nas grandes festas realizadas na quadra de esportes. Em cada movimento coletivo dos alunos, a resposta do público era de entusiasmo. e admiração. Os familiares nas arquibancadas vibravam e ficavam de queixos caídos. Eles diziam também ficar arrepiados com o que viam.
Quando ela queria, o silêncio se tornava absoluto entre os alunos e todo o público presente, fazendo pausas longas, o que criava uma expectativa intrigante, preparando todos para o início da apresentação.

Havia inúmeras caixas de som distribuídas pela quadra coberta, onde podiam ouvir perfeitamente o piano dando os comandos e acompanhando as canções que os alunos entoavam. Era um coral de quase duas mil vozes.

As festas se tornaram emocionantes e famosas. Eram muito elogiadas pelos pais e diretores da escola. Dr. Binelli ao final de uma destas festas, veio até Inara parabenizá-la e disse:

– Nunca conheci alguém capaz de comandar uma multidão de alunos e público, ao mesmo tempo, como você faz. Incrível, meus parabéns!

Esses elogios eram pagamentos que ela apreciava receber. Tinha valido a pena tanta dedicação e sacrifício para manter os alunos motivados.

Cada ano, escolhia temas diferentes para desenvolver e com isso, tinha muito trabalho tanto na escola como em casa.

Nos finais de semana e até mesmo nas férias, ela reunia a família, Saulo, o noivo, e convidava todos para ajudá-la na confecção dos adereços que seriam usados pelos alunos. Usavam materiais como: papéis de bala, crepom, barbantes, cola, tudo  para fazer colares e chocalhos coloridos.
Num desses temas, Inara queria uma vela de natal que fosse acesa pelos alunos na última música. Foram confeccionadas em papel cartolina adornadas com filetes dourados. O pai, nas horas vagas, trabalhou quase um ano inteiro, na confecção da parte elétrica interna de cada velinha. Um fio soldado na base de uma bateria, subia por dentro da cartolina até a ponta, terminando em uma chama laminada em papel cartão dourado e no meio dela, tinha uma pequena lâmpada.
Por trás da cartolina, um pequeno papel laminado colado, para fazer o contato com a ponta do fio, assim acenderia a lâmpada.

No dia da festa, aos primeiros acordes da última música de Natal, “Noite Feliz”, todas as luzes da quadra se apagaram. Ouviu-se um: Uau! Em seguida, todas as velinhas foram conectadas, iluminando o rosto de cada aluno sentado ao longo da quadra.
Foi um encerramento inesquecível. Inara via e ouvia os pais chorando de emoção. Emocionou-se também. O projeto tão longamente planejado, foi realizado lindamente. Naquela noite, Inara foi dormir com a grata sensação do dever bem cumprido.

Os pais das turmas que não eram alunos da professora Inara, começaram a reclamar que não tinham para seus filhos as mesmas festas.
Foi então exigido pela diretoria do curso primário, que os outros professores de Música copiassem os moldes das festas de Inara, para que fossem também grandiosas.
As outras professoras, olhavam para Inara com certo desdém e ela percebia isso.
Elas teriam de se esforçar e serem principalmente criativas, para inventar temas diferentes em cada festa. Precisariam trabalhar dobrado para executar as novas ordens. E claro, ninguém gostava de levar trabalho pra casa.
Às vezes, em reuniões de final de ano e preparo da programação do ano seguinte, Inara ouvia perguntas assim:

– O que você vai inventar desta vez?
Ela ficava chateada, mas logo esquecia. – Eu gosto do que faço e talvez por isso sai sempre tão bom. Vocês que lutem. – pensava sorrindo.

Ela se divertia, gostava mesmo do que fazia. Não havia limites para a sua imaginação. Seu maior estímulo, nessas ideias de festas, vinha de sua mãe.
As duas planejavam tudo em casa. Os temas variados, as músicas, as coreografias e os adereços. Passavam horas trabalhando juntas na criação dos projetos.

O Colégio Porto Seguro, estava prestes a comemorar o seu centenário. Muitos eventos tinham de ser preparados para a grandiosa ocasião. Dr. Binelli, pediu que Inara criasse um número especial para o encerramento do evento, reunindo todos os alunos do Colegial.

Inara adorou o novo desafio. – Vai ser incrível – pensou entusiasmadamente.

Escolheu a música Bom dia Cafe, (no link pode ser ouvida), interpretada pelos Demônios da Garoa, conhecida por todos na época.
Criou uma coreografia alegre, bem movimentada e divertida. Desenhou o modelo das roupas. As moças usariam saia rodada vermelha de cetim na altura dos joelhos, camisa branca, também de cetim, com mangas bufantes e um avental xadrez em vermelho, verde e branco. Carregariam nas mãos peneiras pintadas de marrom e envernizadas, enfeitadas com folhas e frutos do café. A peneira tinha um grande destaque na coreografia. Meias brancas até o joelho com sapatilhas pretas.
Para completar o traje, usariam chapéus forrados de tecidos vermelho, com ramos de café. Os meninos vestiriam calça preta de cetim, camisa branca do mesmo tecido e colete preto aberto no peito. Também tinham chapéus na cor verde, no mesmo estilo das meninas.

A música escolhida foi gravada em estúdio profissional, com a participação do  pianista, Mário Gennari Filho, famoso na época. Inara e alguns professores que tinham voz afinada, fizeram o coro. Os alunos cantariam junto com a gravação que sairia por todos os auto-falantes distribuídos pelo campo de futebol de tamanho oficial. Das arquibancadas, o restante dos alunos da escola, também tinham aprendido a música e cantariam, formando um gigantesco coral.

O dia da festa chegou. Ao final da apresentação, os aplausos foram efusivos. A festa foi sucesso absoluto.

Num outro ano, ao se aproximar a data da visita que a rainha da Suécia, ex- aluna do colégio, faria à escola, dr. Binelli pediu que Inara fosse até sua sala para conversarem.

– Quero que você seja a coordenadora deste evento. Quero que seja uma grande festa.

– Mas eu, dr Binelli? O senhor tem certeza disso?

– Você já provou do que é capaz. Está decidido. Quero uma apresentação usando a maior quantidade possível de alunos, dos diversos níveis. Será feita também no campo de futebol, como fizemos na festa do centenário.

– Mas dr. Binelli, eu não dou aula para tantas classes assim, como poderei ensaiar com todos?

– Você ensinará as coreografias para os professores de Educação Física e eles em suas aulas farão os ensaios.

– Pode deixar, dr. Binelli, será maravilhoso. – disse Inara segura de si, mas sem ainda saber o que iria inventar.

Em casa, ela e sua mãe deram asas à criatividade.

Todos os professores tiveram de aprender a coreografia que ela tinha imaginado, para as músicas que também tinha escolhido. As roupas dos meninos e meninas seriam nas cores azul e amarelo, como a bandeira da Suécia. Para compor o visual, Inara idealizou sombrinhas, também nas cores azul e amarela. Estas fariam parte essencial da coreografia. O visual do abrir e fechar das sombrinhas, causaria efeitos arrepiantes. O campo de futebol se tingiria de um grande tapete nas cores da bandeira da Suécia.

Tudo preparado, todos bem ensaiados, prontos para o grande dia.

Novamente a festa foi um grande sucesso. Muitas autoridades do governo estavam presentes e vários repórteres cobriram o evento.

Após a apresentação, a comitiva subiu para a ampla sala do dr. Binelli.
Inara ainda estava junto aos alunos no campo de futebol, quando viu a secretária da diretoria geral, aproximar-se.  Ela a chamou para o lado e disse:

– Dr. Binelli quer que você vá à sala dele agora, para participar de um café que estão servindo à rainha Silvia. Inara prontamente atendeu, subindo as escadarias com a secretária. Sentiu-se orgulhosa por fazer parte do pequeno grupo de autoridades, diretores e coordenadores da escola, que ali estavam reunidos para a pequena recepção.

Dr. Binelli ao vê-la entrar, deu sinal para que se aproximasse e a apresentou à rainha Silvia dizendo:

– Esta moça é a nossa professora de Música, criadora e organizadora da apresentação em sua homenagem.
A rainha estendeu a mão, parabenizou Inara e agradeceu pela belíssima apresentação.

Inara abriu um sorriso contagiante e agradeceu em poucas palavras. Em seguida, outra autoridade foi apresentada à rainha

Foi um dos momentos mais marcantes de sua vida profissional – e nem precisei do saco de sal para chegar aqui, nas estrelas. –  lembrando-se do conselho do diretor do Colégio Rio Branco.

Para disfarçar seu entusiasmo e falar pouco, ela passou a observar com atenção os movimentos e falas da rainha. Nunca tinha visto uma tão de perto, e talvez nunca mais visse. Notou que, com desenvoltura, ela segurava a xícara pequena cheia de café com o pires numa mão e a com a outra cumprimentava um a um.
Com o polegar e dois dedos ela segurava a asa da xícara e com os outros, o pires. Perfeito. – Inara pensou – eu sempre tão desastrada com as mãos, já teria derrubado o café. 

Após a recepção, depois de ouvir todos os bons ecos e cumprimentos sobre a  festa, foi para casa feliz e satisfeita, conversando com os pais, que tinham vindo como convidados, para assistir ao evento.
Ao chegar em casa, foi direto à cozinha. Pegou uma xícara com o pires e encheu de café da garrafa térmica. Foi à frente do espelho da sala e treinava para fazer igual à rainha. A mãe, olhando aquilo, perguntou:

– O que é isso, Inara?

– Mãe, é assim que a rainha Silvia segura a xícara de café e cumprimenta os outros, sem derrubar. Não é genial? Ah mãe, ela é tão linda de perto, você tinha de ver.

– Inara, você tem cada uma. Mas olha, mais uma vez minha filha, parabéns. A festa foi maravilhosa. A música ecoou por todo o Morumbi. O campo ficou colorido de amarelo e azul e a coreografia, imponente. Você se supera mais e mais a cada ano. Tenho orgulho de você.

A xícara de café foi uma cena que Inara agarrou-se para disfarçar o júbilo e a emoção excitante que sentia no seu coração, naquele momento. Lembrava de quanto trabalho foi preciso para chegar a este sucesso e ter o reconhecimento de todos. Quantos desafios tiveram de ser superados. Quantos professores descontentes na escola, por terem de receber ordens de uma jovenzinha com pouco tempo de carreira.
Na verdade, muito sal ela teve de comer pelo caminho. E no final, tudo deu certo.

Dali em diante, toda vez que pegava um cafezinho para tomar, Inara lembrava da rainha Silvia e também do sucesso da festa.

Deve ser por esses dois eventos envolvendo café, que Inara passou a ser uma degustadora fervorosa do “cafezinho”: – Ele me lembra de superação e tem cheiro de sucesso.

(Foto acima, do dia em que a rainha Silvia visitou o Colégio Porto Seguro. Ela aparece ao lado do anfitrião, dr. Binelli. Dali assistiram a apresentação preparada em sua homenagem).

Próxima Semana
Capítulo 13
O Desafio da Motocicleta

 

9 comments on “INARA – capítulo 12 – Festa para a Rainha Silvia da Suécia”

  1. Mazé Marum disse:

    Que orgulho, hein!

    1. Yara disse:

      Obrigada Mazé. beijos

  2. Maria Ines Dal Borgo disse:

    Muito bom e interessante. A Inara esta se agigantando
    Wow
    Estou curiosa para saber o que vai acontecrr agora!!!!

    1. Yara disse:

      Obrigada Maria Ines, beijos

  3. Juçara Paulucci disse:

    O método de ensino aplicado foi inspirador!
    So voce amiga!!!
    Este livro está sendo uma delícia pra alma
    Apesar de não ter estudado no Porto Seguro fui várias vezes para suas festas
    Voltei no tempo!
    Bom DEMAIS!!!!❤️

    1. Yara disse:

      Delicia Ju! Obrigada amiga. Beijos

  4. Chris disse:

    Que vida rica e empolgante!
    Parabéns!

  5. Regina Brown disse:

    Yara, não acredito que você escreveu sobre esse assunto. Meus filhos estudaram no Porto Seguro e me lembro tão bem da visita da Rainha Sílvia que chegou de helicóptero e pousou no campo de futebol do colégio. Dr. Turelli (se não me engano) virou Dr Binelli. Dna. Maria Cecília virou Hercília….. Que delícia. A festa foi marcante. Minha filha Suzanna era colega e amiga de uma sobrinha da rainha e conversaram muito sobre a presença dela na família. Essas coreografias ainda estão presentes na minha memória. Acho que precisamos nos encontrar para montar esse quebra-cabeças. meus cinco filhos estudaram no Porto e conservam as amizades construídas nessa permanência na escola. Meu filho mais velho é casado com uma colega de classe, Suzanna também é casada com um ex-aluno da escola e minha mais nova, também se casou com um colega de classe. Você não sabe o quanto essa escola tem a ver com nossa vida…..

    1. Yara disse:

      Quantas boas recordaçōes, não é mesmo? Beijo grande.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *