INARA – capítulo 10 – O Noivado

Inara ao voltar das férias de Angatuba, mergulhou nos estudos. Não sentia mais vontade de sair de casa, a não ser para ir às aulas. Helena, a melhor amiga, agora estava casada e tinha todo o tempo dividido entre o marido e os estudos.

Aos poucos, Inara foi se aproximando de outra colega de classe, Eliza. Ela morava com a família, perto da faculdade. Era uma casa grande com três andares. Os pais de Eliza tinham fama de ser bravos. Passavam a maior parte do tempo no último andar da casa, onde ficavam os quartos, a sala de televisão e a biblioteca. Era ali que a mãe de Eliza ficava sempre lendo.

Eliza tinha um irmão um ano mais velho que ela, e por isso, aos finais de semana, a casa ficava cheia de amigos. Passavam a tarde e a noite conversando, ouvindo música e às vezes dançando.
Tudo acontecia no primeiro piso da casa, onde havia a garagem e um grande salão de festas.

Inara frequentava a casa de Eliza quase diariamente. Os familiares a acolheram de uma forma que ela se sentia em casa, era sua segunda família. Descobriu que os pais da amiga não eram bravos como diziam. Eles só não gostavam de barulho, por isso, os amigos dos filhos que os visitavam nos finais de semana, ficavam apenas no salão, ao lado da garagem. Nunca entravam na casa.

Na sala principal, tinham um piano lindo, onde Inara podia tocar sempre que quisesse. Assim, ela não precisava mais ficar na faculdade, após a aula, para a prática do piano.
Eliza e Inara faziam lições de casa juntas e após o jantar desciam ao salão para assistirem televisão.

As outras colegas de faculdade ao saberem que Inara e Eliza estavam mais  próximas, resolveram alertá-la:

– Inara, tome cuidado com essa amizade. Se eu fosse você, não frequentaria a casa de Eliza.

Surpresa, Inara perguntou:

– Mas por quê? O que há de errado com a casa de Eliza?

Uma das amigas mais exaltada disse:

– Você não sabe? Eles são espíritas!

Inara tinha ouvido vagamente sobre os espíritas e então perguntou:

– O que é que fazem os espíritas?

E as amigas explicaram:

– São adeptos do espiritismo, não sabemos direito. O que sabemos é que se trata de uma religião esquisita. Eles conversam com os mortos. Dizem que a casa deles é cheia de fantasmas.

– Conversam com os mortos? – perguntou Inara – E como? Ou quando eles fazem isso? Eu nunca vi nada disso por lá.

As amigas tinham respostas rápidas para tudo. Era uma de cada vez que respondia:

– Dizem que a mãe de Eliza é médium e ela tem comunicação direta com os espíritos, levando e trazendo recados dos mortos.

– Médium? Que leva e traz recados? Como um correio elegante? – perguntou Inara rindo.

– Não brinque com isso Inara, é um assunto sério e muito perigoso. Por isso você não deveria frequentar a casa de Eliza. Não se sabe direito o que acontece por lá. Não percebe que nenhuma de nós frequenta a casa dela? – disse a amiga mais exaltada.

Em seguida uma outra:

– Também ela nunca nos convidou, né?

A exaltada:

– E se convidasse, eu não iria, morro de medo dessas coisas.

Inara para encerrar o assunto disse:

– Ok, vou pensar sobre isso meninas. – e se afastou do grupo um pouco assustada.

Nesse dia, após a aula, ela não foi à casa de Eliza. Inventou uma desculpa. Precisava refletir sobre o que ouvira das colegas.

Inara era católica, mas não praticante. Passou pelos ritos do batismo, crisma e primeira comunhão. Ia à missa todos os domingos. A religião para a maioria dos habitantes da cidade pequena, era como um evento social no final de semana. Não tinham muito o que fazer e a igreja era um ponto de encontro.
Inara recordou, que para ir à missa, a mãe sempre pedia que ela usasse uma roupa nova, trazida de sua loja. As roupas eram recém chegadas de São Paulo para a mãe vendê-las. Eram lindas, e a mãe dizia:

– Hoje você vai vestir roupa de ver Deus – Ela queria dizer que roupa nova só podia usar aos domingos, na missa. Na segunda-feira, as clientes iam à loja da mãe e pediam pelo modelito que Inara usara no dia anterior.

Era essa a experiência religiosa de Inara.

Na noite que não foi à casa de Eliza, Inara pensou intrigada: – Como seria possível falar com quem já morreu? Que religião é essa chamada Espiritismo? E o que é um médium? Coisa de doido mesmo. Mas não vou me afastar de Eliza por isso. Gosto muito dela. E sabe o quê? Quero saber mais sobre esse assunto.

Na cama, antes de apagar a luz pra dormir, concluiu: – se a família de Eliza gosta de falar com os mortos, o problema é deles, não meu. Eu gosto mesmo é de conversar com os vivos, bem charmosos e de preferência do sexo masculino. – riu do seu próprio pensamento, virou para o canto e dormiu.

O alerta das amigas só serviu para aguçar a curiosidade de Inara. Queria descobrir mais sobre o tal espiritismo.  Achou melhor não comentar o assunto com os pais. Temia que eles ao saberem da preocupação das amigas, também recomendassem que ela não fosse mais lá.

A partir de então, quando estava na casa de Eliza, ela observava com atenção todos os cantos. Procurava pelos fantasmas. Ficava receosa com o que pudesse encontrar, mas nunca viu espírito algum. Algo lhe chamou a atenção. Na biblioteca da casa, havia uma enorme sessão catalogada com muitos livros e na etiqueta estava escrito: Livros Espíritas.

Na minha religião o único livro que li, foi  na aula de catecismo. Por que esse tal de espiritismo tem tantos livros? E do que será que eles tratam? – pensou Inara.

Pegava um livro ou outro para folhear quando ninguém estava por perto. Não achava nada demais.
Um dia, abriu um livro chamado “Livro dos Espíritos” e neste, ela demorou mais tempo. Foi ficando com medo do pouco que lia. De repente, ouviu um barulho e se assustou. Era a funcionária da casa se aproximando. Fechou rapidamente o livro, colocando-o de volta na estante.

Um dia lerei isto com calma. Quem sabe peço à mãe de Eliza que me conte mais sobre o assunto. Melhor saber diretamente dela do que pelas fofoqueiras da faculdade. – refletiu Inara.

Depois desse dia, ela não pensou mais sobre isto, algo mais interessante chamou sua atenção.

Desde o último incidente que ela chamava de coincidência cruel com Flavio e Emanuel, chegando juntos no encontro marcado, Inara não sentia vontade de ter outro namorado. Conhecia outros rapazes que por ela se interessavam, mas não dava chance a nenhum deles. Agora só queria estudar e acabar a faculdade.

Mas, numa dessas reuniões com os amigos, ela conheceu Saulo, amigo do irmão de Eliza.
Ele era magro, estatura média, cabelos castanhos lisos, olhos grandes amendoados e um bigode farto. Era um homem bonito, elegante, sempre perfumado e extremamente gentil. Tinha uma fala bem mansa. Ele passou a frequentar a casa de Eliza quase todas as noites. Procurava sentar-se ao lado de Inara e falava de vários assuntos com ela.

Sempre muito calmo e sereno, ele era o oposto de Inara. Isso fazia com que ela se sentisse também mais calma. Era uma tranquilidade que ela desconhecia até então.
Sabia que ele queria algo mais que uma simples amizade, por isso, movida mais pela razão que pelo coração, resolveu dar uma chance ao rapaz.

O namoro começou e continuou sempre naquela temperatura morna, calma e serena. Ele era uma boa companhia. Levava-a para todos os lugares que precisasse e todos dias a acompanhava até a faculdade. Inara nunca mais precisou pegar um ônibus ou um táxi. Nessa época, ela tinha mudado para um pensionato mais distante da escola, pertinho da casa da Eliza.

Os pais conheceram Saulo e acharam que era um bom rapaz. Ela percebeu que eles o aprovaram. Resolveu continuar o relacionamento, mesmo não se sentindo apaixonada por ele. Deduziu que namoro morno seria menos problemático.

No último ano da faculdade, seus pais mudaram-se para São Paulo com a irmã Angélica e dois cachorros, Nero e Zeus. Zeus tinha sido um presente de Saulo, era um pastor alemão preto. O pêlo parecia veludo de tão macio e brilhante. O cão era o companheiro nas horas que Inara praticava piano. Sensível, ele uivava baixinho, sentado aos pés dela, durante todo o tempo que ouvia o som das notas musicais.

Agora, ela tinha novamente a sua família reunida na mesma casa, com os cachorros, seu piano e Saulo.

Seis meses antes do término dos estudos, Inara começou a dar aulas em um colégio estadual, no subúrbio da cidade. Assim, pôde comprar seu próprio carro. As aulas eram à noite e ela sentia muito medo de voltar sozinha dirigindo para casa, mas tinha planos de conseguir um trabalho melhor em uma área mais segura, quando se formasse.

Ela e Saulo juntos, tinham um salário razoável. Ele, de família rica, trabalhava na fábrica de equipamentos fotográficos do pai.

Começaram então as cobranças naturais dos parentes e amigos:

– Quando vão ficar noivos?

Inara de tanto ouvir a pergunta, um dia pensou: – essa deve ser a ordem natural das coisas: crescer, estudar, arrumar trabalho, marido e ter filhos. Já que todos gostam de Saulo, quem sabe pode ser ele o meu noivo? Todas as minhas amigas estão noivas ou casadas. O que mais vou esperar? 

Inara quando planejava algo, rapidamente colocava em prática. Sempre foi impetuosa, sem pensar muito. Saulo era um rapaz extremamente calmo e talvez por isso, não era uma pessoa de tomar decisões. Inara sabia disso, portanto, numa daquelas noites que saíam para jantar aos finais de semana, ela comunicou sua decisão:

– Saulo, vamos planejar o nosso noivado. Acho que chegou a hora – disse isso como alguém que estivesse propondo um negócio.
Ele engoliu em seco o que estava na boca e perguntou:

– Você está me pedindo em casamento?

– Claro que não seu bobinho. Estou planejando o noivado. Casamento é outro papo, nem pensei nisso. – respondeu Inara enquanto continuava a comer.

O pai de Saulo era muito severo com os filhos e eles eram acostumados a obedecer às ordens dele. Por isso, Saulo levou em frente a ordem de Inara. Contou ao pai com receio da reação dele. Este, que gostava muito de Inara, não só aprovou imediatamente a ideia do noivado, como programou e fez questão de que a festa fosse em sua bela casa.

No dia do noivado, os convidados estavam todos reunidos. A casa era localizada no alto da Lapa. A sala grande preparada para a festa, tinha paredes de vidro que permitiam uma vista exuberante da cidade de São Paulo. Já estava anoitecendo e as luzes começaram a se destacar.

Inara se aproximou daquele cenário, repousou seu olhar por alguns instantes naquela paisagem e refletiu:

Chegou o dia do meu noivado. Parece que nosso destino, meu e de Saulo, por minha vontade, está traçado.
Mas casamento? Por que os convidados ficam nos perguntando quando será a data do casamento? 

Ainda perdida em seus pensamentos, antes que voltasse para os convidados, ouviu a voz lá no fundo do seu íntimo, que não ouvia há tempos, dizendo baixinho:

“Não haverá casamento com Saulo. Não será ele o seu marido.”

Inara sentiu um arrepio, olhou para os lados, não viu ninguém ao redor.  Rapidamente lembrou da família espírita de Eliza: – Seria essa voz de um espírito falando comigo?

Quis correr para um lugar, ficar sozinha e poder ouvir um pouco mais daquela voz, mas alguns convidados chegaram perto para despedirem-se e ela teve que desviar a atenção.

No dia seguinte, acordou satisfeita ao olhar para a aliança. Agora estava noiva. Lembrou novamente da voz. Fechou os olhos e ficou em silêncio esperando. Mas não ouviu nada.

Levantou-se da cama e decidiu:

– Por ora, vamos curtir o noivado. Saulo, familiares e amigos ficaram satisfeitos. Pronto! Casamento? Penso nisso depois.

 

Próxima semana
Capítulo 11
“O que é do home o bicho não come”

História inspirada em fatos reais, embora alguns eventos, personagens, nomes e locais, tenham sido criados para a composição literária. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. YG

 

 

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