INARA – capítulo 1 – A arvorezinha à beira da estrada

foto: Pensamentos e Fragmentos

Inara nasceu em Sāo Paulo capital, no ano de  1955.

Com pouca idade, sua família decide morar no interior, local onde sua māe nasceu, Angatuba, uma cidade pequena a duzentos quilômetros de Sāo Paulo, com 18 mil habitantes na época.

Foi nessa cidade que seus pais se conheceram.

Desde muito cedo, Inara se sentia, amada, mimada e portanto, privilegiada.

Era uma criança que chamava a atençāo de todos por ser pequenina, falante, cheia de charme, jeitinho maroto e muito bonitinha. Tinha os traços do pai, um homem bonito, com olhar profundo, triste e misterioso. Ele lembrava o ator Robert de Niro.

Inara tinha uma enorme afinidade com ele e o tinha como um companheiro para tudo, era seu protetor. 

Tinha consigo mesma o compromisso inconsciente de fazê-lo sempre sentir-se orgulhoso dela.

Chegava às vezes a se comportar como um menino, achando que assim o deixaria mais feliz. Ele também, muito ligado a ela, a tratava como se fosse um menino, sem o perceber. 

Talvez ele esperasse um menino como primeiro filho.

Levava a filha para as pescarias com os amigos, aos treinos de futebol; o pai era considerado o melhor nesse esporte em toda região. Seus gols de bicicleta eram famosos. Nesta época ele jogava no time dos veteranos.

Às vezes, ele a levava para trabalhar com ele à noite em sua loja de eletrodomésticos e consertos. Ele consertava qualquer equipamento eletrônico como televisões, rádios, ferros de passar, etc.  Era assim que sustentava a família.

Ele a ensinava desmontar um ferro de passar, ou um rádio, para mostrar como consertá-los. Claro que ele fazia isso a pedido dela, pois o pai jamais teve a intenção de que a filha aprendesse o ofício. E ela exprimia essa vontade simplesmente para agradá-lo. 

Quando o sono batia, a pequena  dormia no balcāo da loja em cima dos papelōes desmontados das caixas de televisāo, observando o pai trabalhando. Adorava fazer isso. No dia seguinte acordava em sua cama e nem se lembrava de como ali tinha chegado.

Apesar de na frente do pai viver como se fosse um menino, ela nāo tinha dúvidas do seu charme de menina. Era muito vaidosa e feminina. Gostava de se vestir bem para valorizar sua beleza. E sempre soube usar sua feminilidade a seu favor, seja para atrair a atenção dos meninos, como também para conseguir o que queria. 

Cresceu com autoconfiança baseada no amor e proteção com que foi criada pelos pais. Sempre ouvia elogios sobre si própria e acreditava neles.

Inara queria muito agradar seus pais. Aos seis anos sua māe, pede que vá estudar piano, para satisfazer sua própria frustração por nunca ter tido essa oportunidade. Obediente, ela concorda e começa frequentar as aulas de piano.

No início, era acompanhada pelo pai ou pela mãe em viagens à cidade vizinha, Itapetininga, há sessenta quilômetros de onde moravam. Viajava uma vez por semana para ter aulas com as freiras de um colégio da cidade.

Um ano depois, passou a viajar desacompanhada. Ela parecia muito independente e destemida.

O tempo entre ida e volta da viagem, era o de chegar na cidade vizinha, caminhar até o colégio das  freiras, ter aula, praticar um pouco a sós e pegar o ônibus de volta para casa. 

Ela gostava, mas nāo amava as aulas, nem as horas que tinha que praticar durante a semana na casa da amiga da māe, pois ainda nāo tinha seu próprio piano.

Era esforçada e inteligente, aprendia rápido mesmo sem ter vontade. As freiras diziam que a menina tinha talento e a música a acalmava.

Na maioria das viagens, Inara sentia-se muito só. Tinha medo, mas ninguém poderia saber disso. Tinha que parecer forte, pois seus pais se sentiam orgulhosos desta aparente independência.

Inara não conhecia as pessoas que viajavam no mesmo ônibus.

Só conhecia Raul, o motorista, um homem moreno, alto, forte, com traços delicados, olhos claros, uma voz exuberante, parecia um príncipe encantado dos contos de fadas. 

Ela percebia os olhares de outras mulheres para ele, olhares de admiração a um homem bonito.

Inara se apaixona pelo motorista, mesmo sabendo que ele era um adulto e ela uma criança. Ele nunca percebeu isso. Nem mesmo ela entendia direito o que significava tudo aquilo. Buscou nele, por conta do seu temor em viajar desacompanhada, o seu protetor fictício, criando esse doce sentimento.

Ela chegava a sentir ciúmes, quando via sua esposa se despedindo dele no ponto do ônibus.

Raul era o companheiro mudo de suas “viagens”.  O dia que Raul nāo trabalhava, a viagem ficava sem graça, parecia não ter fim.

Quando isso acontecia, era a vez de prestar mais atenção na arvorezinha à beira da estrada, com sua copa bem aberta no topo da montanha. Ficava no meio do caminho entre Angatuba e Itapetininga, lá no alto, sozinha, linda e pequenina. 

Inara sempre sentava no primeiro banco do ônibus, assim podia ficar perto do Raul e admirar toda a estrada durante o trajeto, podendo enxergar a arvorezinha melhor. Avistava a árvore bem de longe e conforme o ônibus se aproximava, sua beleza aumentava e, ao passar por baixo, ela parecia um guarda-chuva grande, bem aberto, que lhe dava uma sensação gostosa de proteção. Era uma reta grande na estrada e ela ficava olhando para trás até que a árvore sumisse na próxima curva.

Aí ela pensava: “a arvorezinha lá sozinha, assim como eu, e mesmo enfrentando chuvas e tempestades, permanece linda e indestrutível. Eu também serei assim.”

Este estranho pensamento vinha todas as vezes que pela árvore passava, na ida e na volta da viagem.

Sentia uma vontade imensa de abraçar a arvorezinha, mas ela ficava no alto do barranco e lá não tinha como chegar.

Com o tempo, a vida a levou para muito longe dali e consigo, a paixão pela beleza das árvores.  

Assim, os anos se passaram com dedicação à música, sem nunca ter tido por ela uma paixão verdadeira, mas sim pelo pai, pelo motorista e pela arvorezinha à beira da estrada.

Talvez aqui Inara já pressentisse as tempestades futuras da vida. Assim como a arvorezinha, ela teria que resistir e sozinha. 

Próxima semana
Capítulo 2:
Traição

História inspirada em fatos reais, embora alguns eventos, personagens, nomes e locais, tenham sido criados para a composição literária. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. YG

 

17 comments on “INARA – capítulo 1 – A arvorezinha à beira da estrada”

  1. Maria ines dal borgo disse:

    Leitura muito agradavel. Calma Relaxante. Gostei muito

    1. Yara disse:

      Muito obrigada Maria Ines, beijos.

  2. Maria José A Marum disse:

    Já estou curiosa esperando o que vem por aí… gostei muito…

    1. Yara disse:

      Maria José, que bom que você gostou, obrigada por seu comentário. Até breve, beijos

    2. Yara disse:

      Obrigada Maria José, beijos.

  3. Ivone Volpi disse:

    Olá Yara!
    Viajei no tempo aqui!
    Afinal as cenas são familiares para mim.
    Envolvente e instigante!
    Aguardando novas emoções!
    Bjs

    1. Yara disse:

      Ivone querida que bom te ver por aqui e feliz que você tenha gostado. Beijo grande.

  4. Isabel disse:

    Yara , sendo Yara !

    1. Yara disse:

      Isabel que feliz em receber seu comentário, obrigada. T
      enho pensado tanto em vocês. Amanhã viajo pra Miami e volto no domingo, quero ligar e conversar para saber como vocês estão, beijo a todos.

  5. Maria do Carmo Stefani disse:

    Gostei Yara!
    Parabéns!
    Prendeu minha atenção.
    Curiosa sobre a continuação da estória.
    Aguardando os próximos capítulos!

    1. Yara disse:

      Obrigada Caca pelo carinho, o segundo episodio saiu ontem. 😍

  6. Silvana maria monteiro de barros disse:

    Oi Yara eu gostei da sua historia , ja vou ler o segundo capitulo

    1. Yara disse:

      Que legal Silvana, fico Feliz, depois me conta. beijos

  7. Fatima Sfoggia disse:

    Parabéns Yara, gostosa leitura!! Vou acompanhar os outros capitulos

    1. Yara disse:

      Ah Fatima que delicia, que bom que você gostou!! Obrigada, bjo grande.

  8. Regina Brandileone Brown disse:

    Yara, já gostei do começo porque conheço bem a região. Tenho uma parte da família em Itapetininga onde uma irmã de meu pai morou a vida toda e teve nove filhos cujas famílias cresceram e a maioria ficou por lá. Por outro lado, Angatuba representava a metade da viagem pela Raposo Tavares para chegar em Assis, onde meu pai e seus irmãos tinham uma fazenda e era nosso destino de férias.
    Almoço em Angatuba era obrigatório.
    Você ativou minha memória e vou acompanhar, sem falta, essa sua história. Parabéns pela iniciativa.

    1. Yara disse:

      Obrigada Regina. Fico feliz que a história te trouxe boas recordações. Beijo enorme.

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